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21/08/2019 às 07h51min - Atualizada em 21/08/2019 às 07h51min

Abelhas: um outro olhar

ANA MARIA COELHO CARVALHO

Quando se pensa nas abelhas, geralmente lembramos das ferroadas e do mel.  Existe até um caso curioso, envolvendo ferroada, relatado no livro "Insetos no Folclore", ocorrido com uma senhora que apareceu no museu da USP querendo informações sobre insetos. Ela estava aflita e amedrontada, dizendo que seu filho, já adulto, havia sido ferroado por um inseto e ela desejava saber se tal inseto era perigoso ou não. O funcionário do museu mostrou-lhe várias gavetas da coleção e quando a mulher viu os exemplares de abelhas mamangavas, disse alvoroçada: -"Foi esse, foi esse!" Perguntou se a ferroada era mortal e explicaram que era muito dolorosa e causava inchaço no local, mas se a vítima não fosse alérgica, não haveria perigo maior. Reconfortada e mais tranquila, explicou que o filho havia sido ferroado por uma mamangava e os colegas de trabalho garantiram que ele morreria depois de sete anos. E acrescentou: -"É nessa semana que se completa o prazo..."

Mas, além das ferroadas, as abelhas têm seu encantamento. Jataí, irapuá, mandaçaia, europa, mamangava, uruçu, jandaíra, moça-branca e várias outras, em várias cores: pretas, amarelas, azuis metálicas, verdes, listradas, lindas. Todas dignas de admiração e de respeito. Olhando para elas, dá para pensar naquela música: "quando Deus te desenhou, Ele tava namorando, na beira do mar do amor..."

No aspecto morfológico, não passam de um pequeno inseto, a maioria das espécies com menos de um centímetro. Mas complexas, com coração, aorta, cérebro, gânglios nervosos, glândula salivar. Com sofisticado sistema sensorial e neuro motor e capacidade de aprendizagem. Com olhos compostos que percebem tons que nem o olho humano consegue, como o ultra violeta. Uma flor azul, para elas, aparece em vários tons azulados e ultra violeta. Antenas com função de tato, olfato, audição e gustação, extremamente eficientes. Por exemplo, um zangão é capaz de sentir o cheiro de uma rainha virgem a cerca de dez quilômetros de distância. Com papo de mel, onde carregam o néctar e com escopas ou corbículas, para transportar o pólen. Uma perfeição.

Além de tudo isso, possuem um incrível sentido de orientação para encontrarem o caminho de volta para o ninho. Algumas comunicam a fonte de alimento com dança e outras usam trilhas de cheiro. Também na reprodução há comportamentos fascinantes. As abelhas solitárias cavam o solo, fazem os túneis, aprovisionam as células, ovipositam e morrem antes da cria nascer, mas deixam garantido o sustento e a proteção. Nas que vivem em sociedade, os zangões morrem depois da cópula, mas para eles significa que tiveram êxito. A rainha armazena espermatozoides viáveis para toda sua vida (cerca de cinco anos), pois só copula uma vez. E as operárias são altruístas, pois deixam de ter sua própria prole para cuidar da prole da rainha.

E tem mais: as abelhas são arquitetas fantásticas. No ninho, usam cera, batume e cerume para construir as várias partes, como a entrada, os potes de alimento, o invólucro que mantêm a temperatura constante, o depósito de detritos, a galeria de drenagem da água. Uma obra caprichada. E a divisão de trabalho entre as operárias é outra perfeição. De acordo com a idade, são faxineiras, nutrizes, engenheiras, guardas, campeiras. Estas últimas morrem com cerca de 60 dias, com as mandíbulas e asas gastas de tanto ir para as flores, coletar e voltar para o ninho. Enfim, conseguem construir uma sociedade perfeita, e o homem não.

Isso tudo sem mencionar que as abelhas são os mais importantes polinizadores do planeta. Sem elas, muitas plantas não dariam frutos e a fome no mundo seria muito maior. Mas parece que o homem não se preocupa com isso, pois, além do desflorestamento, da degradação do ambiente e de outras causas que afetam as abelhas, o homem tem utilizado inseticidas que as desorientam e elas não conseguem voltar para o ninho, reduzindo drasticamente suas populações.

Enfim, onde houver flores, aí estarão também as abelhas, em uma interação abelha-planta que vem evoluindo ao longo dos anos. Estudei essa maravilhosa interação no meu doutorado, esperando contribuir para um melhor conhecimento das abelhas. E quem sabe, ajudar a preservá-las, pois só se respeita e se preserva aquilo que se conhece.

*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.

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