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13/08/2019 às 09h00min - Atualizada em 13/08/2019 às 09h00min

Dona Anna conta coisas

ANTONIO PEREIRA

Conversei longamente com dona Anna Gonçalves Tomazelli há alguns anos. Algumas passagens do papo eu já registrei aqui, outras ainda não. Muita coisa. Por exemplo, o caso do padre Alaor. Conto o que ela me passou e acrescento coisas que li nos jornais.

O padre Alaor era de Araxá. Esteve pregando por aqui e como era radicalmente moralista e perigosamente franco, espantou os católicos da cidade. Criticou acerbamente a roupa de várias moças e senhoras presentes à missa. À noite, um grupo de pessoas encapuzadas invadiu a casa onde ele estava hospedado, na praça da Matriz, arrastou-o para fora, levou-o a um canto qualquer, despiu-o e passou piche no seu corpo. Dona Anna diz que bateram nele.

Na manhã seguinte, a praça estava toda enfeitada com bandeirinhas vermelhas. Ah... foram os comunistas! E prenderam a rapaziada simpatizante. Na Delegacia não se provou nada contra ninguém e a rapaziada foi solta. Roberto Margonari, comunista confesso, um dos recolhidos nesta ocasião, era casado com uma senhora muito católica, natural de Araxá. Lá um dia, o Margonari e a esposa foram ver parentes e sua esposa fez questão de estar com o padre Alaor e perguntar-lhe se foi mesmo a rapaziada de Uberlândia que o seviciou. O padre disse que os seus agressores não eram de Uberlândia, eram de Araguari. Que bateram nele, amarraram-no num poste e passaram-lhe piche.

Da família de dona Anna, só ela e o pai, Romualdo, eram comunistas. Os outros eram indiferentes. Falou-me a dona Anna de outras mulheres comunistas da cidade, da perseguição policial e das duas vezes em que seu pai foi denunciado. Na primeira, chegou a ser preso. Ele tinha uma banca de jornais na esquina da avenida Afonso Pena com a rua Machado de Assis. Vendia jornais comunistas, como o Voz Operária, e livros. A Polícia chegou como se fosse prender um grupo de combate. Uma porção de soldados num caminhão, metralhadora etc e tal. Destruíram livros e jornais. Levaram o Romualdo para a rua Tiradentes, onde era a cadeia, e, de lá, para Uberaba. Tanto aqui, quanto lá, tentaram impedir a família de vê-lo. Aqui, o prefeito Tubal Vilela mandou um bilhetinho para o delegado que permitiu a visita. Em Uberaba, um delegado liberal mandou que deixassem vê-lo. Depois de ouvi-lo mandou soltarem-no. Em Uberaba, os presos, homens e mulheres que eram de Uberlândia, ficaram numa cela só.

Um delegado de Uberlândia resolveu ouvi-lo. Levou-o ao Fórum. Perguntou-lhe por que um homem de sua idade se envolvia com aquilo. Por ideal – respondeu. O sr. acredita que o comunismo chega ao Brasil? Disse que não porque os ricos mandavam no país e o povo era sem instrução. Depois de registrado o depoimento, o delegado pediu-lhe que assinasse ao pé da página. Negou-se alegando que só assinaria onde o texto terminava. Por que, perguntou-lhe o delegado. Porque nesse vazio aí, vocês, depois, colocam o que quiserem. Eu vou mandar prender o senhor, gritou a autoridade. E prendeu. Romualdo ficou mais uns dias enjaulado.
 
Fonte Anna Tomazelli.

*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.

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