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18/07/2019 às 08h38min - Atualizada em 18/07/2019 às 08h38min

Eh, carvoero!

IVONE GOMES DE ASSIS

O valor do pertencimento. Cada vez mais, nota-se medidas em prol da inclusão, contudo, talvez na mesma proporção, observa-se o preconceito e a intolerância avançando, a passos largos, no espaço social. É comum pessoas buscarem justificativas na condição igualitária da vítima. É um modo de não se aprofundar no inconveniente, quase que absolvendo o sistema. Com isso, dia após dia, a situação ganha novas dimensões.

Nesta semana, uma professora puniu severamente uma criança que não se calava na aula. Junto ao castigo, segundo a mãe, foram desferidas palavras torpes da professora para com o aluno, o que a deixou pasma, pois seu filho tem problemas psicológicos que requerem cuidados especiais. Faz-se emergente mais amor, mais tolerância, mais diálogo... de todos, para com todos.

Independente da condição psíquica do aluno, todos sabemos: a aprendizagem exige paz. Ninguém aprende sob desequilíbrio emocional, sobretudo crianças. Cuidar da saúde mental e emocional é tão necessário quanto escovar dentes, fazer atividades físicas e outros. Crianças, adolescentes e velhos são ainda mais vulneráveis. Este tipo de distúrbio não pode ser interpretado como tabu pela sociedade. O desencadeamento emocional leva as pessoas à dificuldade de aprendizagem, ao isolamento, ao suicídio... e tantos outros infortúnios. É emergente a carência de empatia entre as pessoas.

Para M. A. A. Moysés (2001), na escola, o preconceito aprisionando o aluno, impossibilitando-o de aprender, bem como fazendo-o se sentir incapaz, doente, excluído... são estigmas da pertença social, seja pela cor da pele, por anomalias físicas ou psicológicas.

Quando o assunto é saúde mental (depressão, bipolaridade, ansiedade, esquizofrenia), nem sempre há atendimento adequado nos recintos escolares. Há muito preconceito em torno dessa temática, o que dificulta a chegada de informações capazes de atenuar possíveis contratempos. Em se tratando de adolescentes, há que se considerar ainda que este ser vive os conflitos da transição, é uma guerra diária.

O papel da escola sempre foi de incluir e não de excluir, se isso não ocorre, há sérios problemas. Segundo J. G. Aquino (1998, p. 138), “A escola é o lugar não só de acolhimento das diferenças humanas e sociais encarnadas na diversidade de sua clientela, mas fundamentalmente o lugar a partir do qual se engendram novas diferenças, se instauram novas demandas, se criam novas apreensões acerca do mundo já conhecido”.

A escritora Ruth Rocha, em seu poema “O Direito das Crianças”, anuncia: “Toda criança no mundo / Deve ser bem protegida / Contra os rigores do tempo / Contra os rigores da vida. / Criança tem que ter nome / Criança tem que ter lar / Ter saúde e não ter fome / Ter segurança e estudar. / Não é questão de querer / Nem questão de concordar / Os diretos das crianças / Todos têm de respeitar. / Tem direito à atenção / Direito de não ter medos / Direito a livros e a pão / Direito de ter brinquedos. / Mas criança também tem / O direito de sorrir. / Correr na beira do mar, / Ter lápis de colorir [...].

Em um olhar geral, parece que o poema “Meninos carvoeiros”, de Manuel Bandeira (1921) é uma reflexão muito contemporânea sobre esta temática. O poeta escreve: “Os meninos carvoeiros / Passam a caminho da cidade. / — Eh, carvoero! / E vão tocando os animais com um relho enorme. / Os burros são magrinhos e velhos. / Cada um leva seis sacos de carvão de lenha. / A aniagem é toda remendada. / Os carvões caem. / (Pela boca da noite vem uma velhinha que os recolhe, dobrando-se com um gemido.) / — Eh, carvoero! / Só mesmo estas crianças raquíticas / Vão bem com estes burrinhos descadeirados. / A madrugada ingênua parece feita para eles... / Pequenina, ingênua miséria! / Adoráveis carvoeirinhos que trabalhais como se brincásseis! / —Eh, carvoero!”.

*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.

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