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07/05/2019 às 08h28min - Atualizada em 07/05/2019 às 08h28min

As voltas que o Rumo dá

ENZO BANZO
Em uma volta no rumo do tempo, acaba de retornar à ativa um dos mais importantes grupos do momento ou movimento que se convencionou chamar Vanguarda Paulista, na passagem dos 70 para os 80: o Rumo. Sem lançar um álbum de inéditas desde 1992, quando se desfez, o grupo ressurge com o disco "Universo" (Selo Sesc), produzido por Marcio Arantes.
 
Se você não conhece o Rumo e vier a ouvi-lo, observará de imediato que sua singularidade está no jeito de cantar e compor, que gera a dúvida: estão cantando ou falando? E a pergunta tem resposta: estão cantando, em notas desenhadas e definidas, ao mesmo tempo em que parecem estar conversando.
 
O que o Rumo apresenta como procedimento inovador − cantar simulando a fala − é a radicalização de um aspecto essencial de qualquer canção. Luiz Tatit, figura emblemática do grupo, debruça-se sobre esta questão não só como artista, mas como teórico, quiçá o mais importante dos estudos cancionais no Brasil. Para Tatit, toda canção carrega por trás de si, com maior ou menor evidência, uma fala camuflada que se fixa em melodias entoativas. O rumo do grupo é tão somente a exploração máxima desta zona limite.
 
Trata-se, assim, não só do retorno de uma banda, mas da reafirmação de uma linguagem que teve continuidade e novos desdobramentos nas carreiras de alguns de seus integrantes (a cantora Ná Ozzetti; o já citado Luiz Tatit; e Paulo Tatit, no Palavra Cantada). É a volta de um universo, como sugere a faixa título composta pelos irmãos Tatit: o universo do grupo, em sua sina de combinar fala e canto, trivial e profundo, "o único e especial/ com tudo que é universal". E embora associemos o termo universo a uma ideia de espaço, o tema central do álbum parece ser o tempo, que passa e permanece, como conclui a faixa final, "Maldade do tempo", composta e interpretada por Luiz Tatit.
 
A abordagem do tema vai da saudade dos amigos ("Cada dia", Helio Ziskind), à morte inevitável ("Único legado", Pedro Mourão), passando por sutis retratos do presente cotidiano, caso de "Senha" (Zecarlos Ribeiro). Esta é interpretada por Geraldo Leite, uma das vozes mais divertidas do Rumo, que surge entoando o número de uma senha numa sala de espera, na qual, bem o sabemos, "o tempo não passa". É uma canção que gera empatia imediata com o público, tanto pelo reconhecimento de uma situação comum, quanto pelo inusitado do canto. Aí está um dos traços essenciais do Rumo, em que representações corriqueiras, normalmente temperadas por um humor que ri de si mesmo, se encaixam perfeitamente ao tom de fala no canto, já que falar é um ato trivial do dia a dia.
 
É simbólica a participação do compositor André Mourão, filho do músico Pedro Mourão, integrante do grupo. André descobriu uma antiga fita cassete com um rascunho de uma composição do Rumo da qual o pai sequer se lembrava. Trinta anos depois, a obra foi concluída, a quatro mãos. Os filhos são a prova da passagem do tempo, e a presença de André, nascido já nos últimos anos do Rumo, acaba por materializar o que se seguiu e segue. O título da canção não poderia ser mais propício: "História da história".
 
Com tantas voltas no tempo, o presente é sentido logo na primeira faixa, "Toque o tambor" (Luiz Tatit), na qual o gesto de tocar o instrumento é evocado como contraposição a um mundo em que "a natureza fica cinza/ e a cultura está ranzinza". Ao conclamar o poder redentor da arte diante de um mundo que "vai pra trás", "Toque o tambor" é construída como uma canção política (marca do universo presente) e metalinguística (marca do universo do grupo). E fica o chamado, a seguir o rumo, a tocar o tambor, seja como for.
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