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21/04/2019 às 09h00min - Atualizada em 21/04/2019 às 09h00min

O abismo entre brancos e negros

ALEXANDRE HENRY | JUIZ FEDERAL E ESCRITOR
Estou terminando a leitura de um livro bem interessante, chamado “O sol é para todos” (Harper Lee), que trata de preconceito racial nos Estados Unidos na década de 1960. Recomendo a leitura, dada a sua qualidade literária, a qual rendeu até mesmo o famoso prêmio Pulitzer.

A história contada pelos olhos de uma garotinha me fez refletir sobre preconceito nos EUA e no Brasil, em um comparativo entre os dois países. Há uma diferença bem clara entre os dois países, facilmente perceptível por qualquer um que visita os EUA: a miscigenação entre brancos e negros por lá é muito pequena, muito mesmo. Como cantou Caetano Veloso, “para americanos, branco é branco, preto é preto e a mulata não é a tal”. Aliás, que mulata? Andando pelas ruas americanas, percebe-se que a cor da pele das pessoas é bem extremada: exceto no caso dos imigrantes, ou é muito branca ou é de uma pureza negra destacável. Nesse aspecto, considero que estamos à frente dos americanos. Sei que parte da nossa miscigenação decorreu de abusos sexuais dos donos de escravas. Isso não afasta o fato, todavia, de que muitos brasileiros que são morenos, ou seja, nem brancos e nem negros, são frutos de relações lícitas e pautadas no amor. Nos EUA, isso é percebido em uma proporção muito menor, muito mesmo. Pele morena lá é raridade.

Mas, há outro aspecto em que estamos muito atrás dos americanos. O abismo econômico existente por aqui entre brancos e negros é muito mais claro do que lá. É certo que os brancos dos EUA ainda representam a parte mais rica da população, sendo até possível falar também em abismo. Mas, se compararmos os abismos, o nosso é muito maior. Certa vez, fiz uma viagem de navio de Santos até Buenos Aires, em um cruzeiro turístico. Sinceramente, não me lembro de ter visto passageiros negros naquela viagem. Em outra oportunidade, fiz um cruzeiro que saiu dos EUA e deu uma volta por alguns países caribenhos. No navio, havia uma quantidade destacável de passageiros negros, inclusive uma família muito grande que parecia se reunir uma vez por ano em um cruzeiro.

O mesmo acontece em shoppings, restaurantes, hotéis etc. Por aqui, se o local é frequentado mais por pessoas de classe média (não falo nem de classe alta), é raro ver uma pessoa negra que não esteja lá apenas por ser funcionária do estabelecimento. Preste atenção quando for almoçar em um restaurante um pouco mais caro de Uberlândia. Nos EUA, a quantidade de pessoas negras que frequentam os mesmos locais de classe média frequentados pelos brancos é incrivelmente maior, deixando claro que o poder aquisitivo dessa parcela da população, por lá, é relevante. Nota-se isso também na condução de veículos. Lembro-me de um auditor da Receita Federal, que trabalhava comigo em São Paulo e tinha um carro típico de classe média. Ele me contava que era recorrente ser parado pela polícia, como se fosse crime um negro conduzir um veículo que não estivesse caindo aos pedaços. Nos EUA, é comum ver senhoras negras dirigindo carrões de valor destacado até para os padrões americanos.

O que eu quero dizer com isso tudo? É que Brasil e EUA ainda precisam superar um longo caminho para diminuir a distância entre brancos e negros, pois em ambos os países há abismos a serem superados. Mas, no caso brasileiro, a situação é ainda mais grave do ponto de vista econômico. Para piorar as coisas, é evidente que a pouca penetração de pessoas negras em ambientes de classe média, por conta de questões financeiras, só contribui para que o preconceito permaneça vivo dia após dia.

Há uma solução? A meu ver, sim. Quer dizer, não uma solução, mas um paliativo. São as políticas inclusivas, as quais, obviamente, devem mesclar o critério da cor da pele com o critério econômico. E que ninguém venha me falar de meritocracia, pois a meritocracia pressupõe oportunidades iguais, o que não se vê quando o menino branco estuda nas melhores escolas e o menino negro tem uma educação formal de péssima qualidade, por exemplo. Deve ser medido o mérito, sim, mas entre pessoas com condições semelhantes. Se há dez vagas para negros em determinado curso, que fiquem com elas os dez que mais se dedicaram, que mais suaram a camisa.

Já refleti bastante sobre essa questão de cotas raciais e sempre me posicionei contra elas, quando desvinculadas do quesito financeiro. Mas, se observada também essa parte econômica, eu estou certo de que elas são essenciais. Há um abismo e ele precisa, definitivamente, ser superado ou, ao menos, reduzido.


*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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