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02/04/2019 às 08h00min - Atualizada em 02/04/2019 às 08h00min

Viagem ao tempo dos festivais

NANDO LOPES
Dia desses eu estava acompanhando nas redes sociais uma página voltada aos apreciadores da música nacional e me deparei com alguns vídeos do Festival da Música Popular Brasileira (MPB), na década de 1960. No vídeo, uma jovem cantora de cabelos curtos, sorriso espontâneo, subiu ao palco e, com os braços abertos e inquietos, parecia tomar o tablado e a plateia com a imponência da sua voz. Eis os versos da música Arrastão, composição de Vinícius de Moraes e Edu Lobo, entoados pela cantora: “Eh, tem jangada no mar/ Eh, hoje tem arrastão/ Eh, todo mundo pescar/ Chega de sombra João”, cantarolava Elis Regina, deixando a plateia extasiada. Ao ver aquele vídeo, não tive dúvidas de que Elis seguiu à risca o bilhete deixado por Vinicius de Moraes antes da apresentação: “Arrasta essa gente aí, Pimentinha”, escreveu o compositor.

Fosse em teatros, em rádios ou transmitidos na televisão, os festivais musicais tornaram conhecidos variados cantores e compositores. A primeira edição do Festival de MPB foi transmitida em abril de 1965 pela TV Excelsior, de São Paulo.  Várias canções foram inscritas nas cinco edições dos festivais na década de 1960 e alguns intérpretes das canções são conhecidos popularmente: Elis Regina, Jair Rodrigues, Elza Soares, Chico Buarque, Nara Leão, Roberto Carlos, Paulinho da Viola, Os Mutantes e por aí vai...

Era preciso coragem para dar a cara a tapa nos festivais. Os vários artistas que participaram do evento expuseram seus trabalhos a um júri composto por maestros e críticos que não mediam adjetivos ao avaliá-los. Mas o que de fato animava as apresentações era a reação da plateia que acompanhava as eliminatórias. A torcida ora ovacionava e recebia seus cantores favoritos com palmas, faixas e cartazes de apoio, ora vaiava quem concorria com seus ídolos. A algazarra chegava a atrapalhar as performances no palco. O público vibrava como se estivesse em um estádio assistindo a decisão de um campeonato.

No Terceiro Festival da MPB, em 1967, o jornal Correio da Manhã (RJ) publicou na edição do dia primeiro de outubro daquele ano que, embora todos demonstrassem tranquilidade nos ensaios, o compositor Luiz Carlos Paraná estava preocupado “pois o intérprete da sua música, Roberto Carlos, não havia, até horas antes da apresentação, decorado a letra da música”. Bicho, dá para imaginar o cantor Roberto Carlos, tal qual hoje conhecemos pelo grau de exigências e de qualidade estética das apresentações, tentando aprender a letra de uma música pouco antes da sua apresentação transmitida ao vivo pela TV?

Vivemos em tempos nos quais as mídias e suas plataformas musicais permitem o acesso e a exposição das músicas em velocidade jamais imaginada nos tempos áureos dos festivais. Por outro lado, em tempos virtuais, os “hits” caem no esquecimento em uma celeridade ainda maior que seus intérpretes lançam as canções. Poucos artistas mantêm um público cativo na linha do tempo e aos poucos as pessoas esquecem das músicas que eram sucesso nos anos anteriores. Às vezes me pergunto, ao ouvir as músicas que mais tocam hoje, quais delas serão lembradas espontaneamente pelo público nas décadas vindouras?

No livro 101 canções que tocaram o Brasil, Nelson Motta elenca na obra uma variedade de estilos musicais e propõe no posfácio do manuscrito que as 101 melhores, mais importantes ou mais belas canções brasileiras não existem, já que “a lista de músicas que marcaram a vida de cada um são como impressões digitais: não há duas iguais”. Talvez estes insights sejam pistas sobre as músicas que, nos próximos anos, vão continuar a tocar em nossa playlist pessoal e que também serão cantadas por diferentes gerações. Mantém-se viva em nossa memória a música que nos resgata dos dias comuns e tão bem nos traduz.
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