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19/03/2019 às 08h23min - Atualizada em 19/03/2019 às 08h23min

Borboletas no estômago

NANDO LOPES
Procuram-se borboletas no estômago. Que deixe as mãos suadas, o coração em desalinho e provoque arrepios na pele. Entre os requisitos básicos, que possa incitar o brilho dos olhos e despertar sorrisos espontâneos. Desejável propiciar o desajeito que nos faz avivar as emoções.

Difícil ter um borboletário em um mundo pouco afável a jardins. Arriscado, muitos diriam. Desde muito cedo, aprendemos com as histórias que nos foram contadas que aventurar-se nos perigos de uma floresta sombria, ou ainda aceitar uma maçã no decorrer da trilha, pode nos levar a um desfecho trágico, o infortúnio. É mais seguro abrigar-se em uma casa construída com tijolos e cimento, que nenhum vento ou sopro deferido poderá derrubar. Ainda que escapar dos lobos e das suas artimanhas nos faça, por vezes, escapar da vida que poderíamos ter.

Observamos com o passar dos anos que diferente das histórias que nos foram contadas, a vida real não é dada a príncipes encantados montados em cavalos ou princesas perdendo no final do baile um sapatinho de cristal. Vivemos com medo, receosos do que virá a acontecer e convictos de que a vida por vezes comporta-se como uma madrasta má capaz de manipular o nosso futuro idealizado do “viveram felizes para sempre”. Trancamos as portas, colocamos cadeados e vivemos amedrontados pela violência que nos espanta a cada dia.

É preciso viver um pouco mais para perceber que, no que diz respeito ao destino, não há garantias. Nunca houve.  A fruição dos anos nos faz entender que para crescer também é preciso enveredar por caminhos incertos que a Rapunzel só conseguiria desbravar se ficasse do lado de fora da torre. Esta parte da história ninguém nos contou, ou, quem sabe, nós dormimos antes de ouvi-la dos nossos pais. Tanto faz. Só descobrimos na prática que ganhar, perder, encontrar e decepcionar enfileiram-se entre tantos outros verbos tão comuns e prováveis à nossa experiência humana. Lutamos diuturnamente. Não tem como evitar, já que esquivar-se do jogo é perder a partida por antecipação.

Talvez a moral da história seja entender que, por mais que se planeje um trajeto, os caminhos tomados são imprevisíveis. De um lado, as nossas escolhas, sonhos e medos congestionam os nossos pensamentos. Habilidades, cacoetes e calos mapeiam onde estivemos e para onde desejamos ir. Do outro lado, as oportunidades e os mistérios em torno das escolhas do outro. As afinidades e incompatibilidades cotidianas. No baralhar de tantas histórias, eis o risco, as perdas e os encontros gratificantes. Pressentir borboletas pousando no estômago, o frio na barriga ou, ainda, descer da montanha russa erguendo os braços, nos faz lembrar de como somos humanos e falíveis. Temos muito para descobrir, sabemos pouquíssimos do amanhã. O futuro é sempre uma aposta a nos surpreender com caminhos diferentes as respostas dadas quando criança ao dilema “o que você vai ser quando você crescer? ”.

As histórias que tanto animaram a nossa infância, as narrativas orais contadas noites a fio antes que adormecêssemos, mantêm-se vivas em nossa memória e repetimos o hábito de contá-las para nossas crianças. Acreditar ou desejar finais felizes, talvez, não seja nenhum problema. Desde que possamos conviver com os efeitos temporais, já que os dias bons, assim como os dias ruins, são inevitavelmente datados. E neste tear do tempo, recomeçam os ciclos e escrevemos outras histórias. Renovam as borboletas no estômago e também o jardim.
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