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20/02/2019 às 09h30min - Atualizada em 20/02/2019 às 09h30min

Feedback não violento

FERNANDO CUNHA | JORNALISTA E PALESTRANTE
 O então chefe de setor de uma empresa convoca um experiente colaborador para uma conversa. O tom autoritário já domina o início da prosa: “temos que demitir você, mas não pense que isso é o fim de sua carreira profissional”, diz o chefe. O profissional retruca: “quem é você para falar de carreira profissional”? Com ar de superioridade, o chefe lhe diz: “está demitido”, sem oferecer nenhuma justificativa plausível. O profissional insiste: “mas quem é você para julgar o meu futuro profissional”? O chefe fica sem palavras e abandona a sala. O julgamento do chefe sobre o futuro da carreira daquele profissional lhe incomodou muito mais do que a sua própria demissão. Esta situação reflete um comportamento comum de médias lideranças de inúmeras empresas por aí, as quais não possuem a mínima capacidade de oferecer feedback aos liderados, mesmo na hora de demiti-los.

O termo é usado no inglês mesmo, pois não há traduções precisas para o português. Em alguns dicionários online, feedback é denominado de “realimentação”. O consultor de carreira e comentarista da rádio CBN, Max Gehringer, tem a audácia de traduzir feedback ao pé da letra como “alimentar por trás”, com todo respeito, claro! Conheço muitos líderes que, na intimidade de quatro paredes, já disseram que liderar seria muito mais fácil se não houvesse pessoas envolvidas. Por outro lado, creio que algum profissional que me lê neste momento já levou uma “alimentada por trás” e não ficou nada satisfeito. Não posso generalizar, pois também conheço profissionais altamente comprometidos com a qualidade de seu trabalho e entendem o feedback como algo extremamente necessário para o seu desenvolvimento pessoal e profissional.

Mas o que torna o feedback algo tão desagradável para muitos? Primeiramente, ele só é dado quando algo já deu errado. Outra razão que o torna desconfortável às lideranças é que, como em todo processo de comunicação, a mensagem vai e volta. O líder dá o feedback e, nem sempre, o retorno é positivo. Não ter o hábito de usá-lo com frequência também o torna ineficaz, pois quando ele faz parte da política de comunicação da liderança é aceito com mais naturalidade. Aliás, a liderança que valoriza e promove rotinas de comunicação usa o feedback para promover desenvolvimento, e não desentendimento. Inclusive, aceita receber críticas construtivas dos colaboradores e as oferece com todo cuidado e respeito. Para isso, escolhe um local e momento adequados oferecendo oportunidades de o colaborador melhorar o seu desempenho, mesmo que para um próximo emprego.

Feedback sempre vem acompanhado de um pedido, mas quando um pedido é feito diretamente, é recebido como uma exigência, e exigências geram aversão. No seminário sobre Comunicação Não Violenta (CNV), o psicólogo norte-americano Marshall Rosenberg apresenta um método eficaz para situações que envolvam algum tipo de pedido. Segundo ele, primeiramente faz-se uma observação, sem julgamentos. Fala-se de fatos exatos e não generalizações. Por exemplo: “percebi que você não apresentou os dois últimos relatórios”, ao invés de “você é incompetente e não entrega os relatórios”. Em seguida, apresenta-se um sentimento positivo e real, tipo “fico feliz quando você evolui no seu trabalho” ou “me dá muita satisfação em ver o seu bom desempenho”. Depois, expõe-se uma necessidade: “os relatórios entregues no tempo certo tornam o trabalho das outras equipes mais ágil”. Finalmente, faz-se o pedido: “por isso, solicito que os relatórios sejam entregues sempre no tempo determinado”. Memorize a sequência: Observação/Sentimento/Necessidade/Pedido.

Essa é só uma das inúmeras técnicas existentes para oferecer um feedback eficaz. Aliás, esta estrutura de mensagem (OSNP) serve para diferentes ocasiões, como na elaboração de um discurso motivacional, redação de um memorando, apresentação de metas de vendas, etc. O mais importante é o líder entender que feedback é uma ferramenta de comunicação que deve ser sempre usada. Se a intenção é liderar para promover resultados e transformações, o foco do feedback deve ser no desenvolvimento pessoal e profissional dos membros da equipe. Use essa ferramenta também de forma positiva, para elogiar e enaltecer o trabalho dos liderados. Finalizo com uma frase do jornalista Milton Jung, que diz: “o feedback tem de ser uma conversa de iguais, mesmo que o crachá demonstre o contrário”.
 
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