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07/02/2019 às 09h47min - Atualizada em 07/02/2019 às 09h47min

O caos da nação

IVONE GOMES DE ASSIS
“O caos da nação”! Ficção ou realidade? Ser eleito um dos maiores autores árabes, na Feira do Livro de Abu Dhabi, 2018, não foi o suficiente para evitar que o imortal Alaa Mashzoub se tombasse, em 2 de fevereiro último. Membro da Federação de Jornalistas do Iraque, da União dos Escritores, da União Iraquiana de Artistas e do Conselho Iraquiano pela Paz e Solidariedade, o documentarista, autor de “O caos da nação” (2004), chegou à última cena de sua história. Mashzoub, para além de romancista, também contribuía com artigos críticos, em vários jornais. Como faz a maioria dos cronistas, seus escritos desfiavam críticas políticas, religiosas, sociais... e isso foi o suficiente para que a tinta de sua caneta fosse derramada.

O centro de Karbala assistiu ao tombo da Palavra. Calar a palavra é fortalecer a fraqueza humana. É abrir “Portas e janelas” à decadência do homem. Quando se derruba um intelectual levanta-se uma grande interrogação: Por que? Pois sabe-se que escritores não morrem, eles são imortais; o que morre são os sonhos que seriam compartilhados.

Em 1855, Laurindo José da Silva Rabello escreveu, “Morrem as estações, morrem os tempos! / Morrem os dias, como as noites morrem: / Também acaba o homem” (p. 22). Aqui o poeta carioca se refere à morte do corpo, este que é passível do fim. A morte que nos faz chorar a ausência do outro. A morte que mostra ao homem o quão breve é a nossa estada na Terra. E quando falamos da imortalidade do autor, estamos falando da imortalidade do nome, este que ficará para sempre na história, povoando a memória de quem o lê. Em casos como este do escritor de Karbala, e outros milhares que perderam suas vidas em detrimento da loucura alheia, pode-se dizer que se trata de uma imortalidade vingativa, em que tombando o corpo, enaltece-se o nome.

Mas não estamos em busca de mártires, o que se busca são direitos de liberdade de expressão, direito de ir e vir, direito à vida, pois esta, ainda que passageira, é o bem maior que temos. A segurança, em qualquer parte do mundo, deve estar focada na formação do ser humano. Os maiores conflitos – na mente humana – vêm de infâncias mal resolvidas, até mesmo de períodos em que a memória é apagada. Isso, geralmente, produz adultos insanos, que se entregam à soberba, passando por cima do valor humano. O tratamento está na educação da mente humana, na construção social do indivíduo, na capacidade de dialogar.
Em sua obra “Violência e violação...”, Jurema José de Oliveira enfatiza, “A ‘monstruosidade’ das ações [...] denuncia o recalque do sujeito incapacitado de produzir uma linguagem para se movimentar entre o mundo da casa [...] e o mundo da rua” (OLIVEIRA, 2006, p. 28).

O filósofo italiano Benedetto Croce enfatiza: “A violência não é força, mas fraqueza, nem / Nunca poderá ser criadora de coisa alguma, / Apenas destruidora”.
A vida é impulsionada por desejos: bons ou ruins. Cabe a cada um direcionar os seus anseios, para que isso seja um ciclo natural da vida, e não um infortúnio. Pois, tudo passa. Sobre o desejo, a poetisa Hilda Hilst escreveu: “Quem és? Perguntei ao desejo. / Respondeu: lava. Depois pó. Depois nada” (1998, p. 18).
Então, de que valerá ao homem massacrar o próprio homem, em prol de sua cobiça, na tentativa de ganhar o mundo? Mui certamente servirá, tão só, como origem de desventura que conduz a novos erros e a uma infelicidade humana sem volta, a que chamamos, como escreveu Mashzoub, “O caos da nação”!
 
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