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29/01/2019 às 09h00min - Atualizada em 29/01/2019 às 09h00min

A paz que há de chegar

NANDO LOPES
Tenho o hábito, antes de viajar, de organizar um roteiro com museus e pontos turísticos da região de onde pretendo hospedar-me, já que o tempo é insuficiente para tudo que desejo conhecer. Embora tenha feito o dever de casa para a viagem ao Chile, confesso que as imagens pesquisadas sobre o Cerro Santa Lucía, em Santiago, não despertaram minha atenção e o local ficou na lista de afazeres "visite se tiver tempo".
 
Sem nenhum planejamento, enquanto procurava um local para o almoço em Santiago, eu encontrei o Cerro Santa Lucía no coração da cidade. Para a minha surpresa, o parque construído em cima de uma colina na região central da capital chilena foi um dos locais mais bonitos da viagem. Além da vista panorâmica e da construção arquitetônica, entre um lance e outro das escadas, os terraços e jardins permitem que os turistas descansem sob a sombra de uma árvore, ouçam o canto dos pássaros e apreciem a vista da cidade despontando em diferentes ângulos. Por fim, a visão no topo da colina compensa os percursos íngremes e relativiza o território urbano.
 
Quando você se permite aventurar em locais que não foram planejados, a jornada costuma lhe retribuir com encontros surpreendentes. Só a experiência vai dizer se a aventura será gratificante. Do alto do Cerro Santa Lucía, uma jovem de vinte e poucos anos ergueu a máquina fotográfica em minha direção, pediu licença e perguntou se eu poderia fazer seu registro fotográfico. Acrescente à lista de desejos em uma viagem turística: conhecer outras pessoas e fazer novas amizades, sempre que possível. Acenei positivamente para o pedido da jovem e sorri. Tomei o equipamento em minhas mãos e perguntei: "Are you English?", referindo-me à sua nacionalidade. Nitidamente tímida, ela disfarçou um sorriso e respondeu "No, French", disse a jovem francesa.
 
Em minhas viagens para fora do Brasil, eu vou do portunhol ao inglês meia-boca, naturalmente, e percebi que aquela jovem também estava aventurando com uma dúzia de frases de diferentes idiomas. Comentei o quanto estava apreciando Santiago e ela confessou que também estava encantada com a cidade. Do ponto mais alto do Cerro Santa Lucía, estávamos cerca de quinze turistas de diferentes nacionalidades ocupando uma posição privilegiada para contemplar um território que pouco conhecíamos.
 
Embora o olhar daquela jovem francesa demonstrasse o encantamento com a vista panorâmica do local, era inevitável pensar que sua terra natal passava por um dia difícil. No dia 13 de novembro de 2015, uma série de atentados terroristas na cidade de Paris deixou várias vítimas e o mundo em sobressalto pelas imagens de violência. Fiquei pensando enquanto a observava: quantas vidas não foram alteradas após o ataque terrorista no teatro Bataclan, em Paris? Como imaginar pessoas comuns sendo fuziladas por um assassino que sequer as conhecia? Enquanto olhava aquela jovem, apenas pensava na dor de quem perdeu amigos e familiares naquele ato. Turistas que visitavam Paris também perderam suas vidas, o que deixa, de algum modo, as pessoas que estavam fora dos seus países com medo. E se fosse aqui?
 
Voltei a minha atenção ao Cerro Santa Lucía. O tom cinza do céu revelando a densa camada de poluição comum às grandes cidades deixava a vista um pouco embaçada. Talvez fosse uma tentativa de racionalizar o medo do que pode ou não vir a acontecer. O silêncio reservado aos meus pensamentos, aos poucos, cedeu lugar para os sorrisos e comentários em diferentes idiomas dos turistas que começavam a se aglomerar no topo da cidade. Difícil ouvir aquelas risadas e não aceitar o convite daquele passeio. Refleti, alimentando vagas esperanças, que poderia ser sempre assim: pessoas de diferentes países contemplando um lugar, outras culturas, independente das diferenças e fronteiras geográficas. Naquele instante éramos todos semelhantes, turistas rindo de si e sorrindo para o outro.
 
Ao descer pelas escadarias estreitas do topo do Cerro Santa Lucía, ouvi gritos de um grupo de crianças chilenas que subiam as escadas e bradavam, em seu idioma, que eles, os chilenos, eram os mais alegres do mundo. Acredito que naquele momento éramos todos, independentemente de nacionalidades, as pessoas mais alegres e mais receptivas do universo. Resolvi descansar e usufruir daquela sensação de paz, sentando no gramado embaixo das árvores e aproveitando a leveza do momento, buscando refúgio do terror anunciado mundo a fora. A paz há de vir, pensei. Quem sabe numa dessas voltas que o mundo dá.
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