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14/01/2019 às 10h08min - Atualizada em 14/01/2019 às 10h08min

Um lugar democrático

ALEXANDRE HENRY | JUIZ FEDERAL E ESCRITOR
Quando eu era criança, tínhamos um costume bem típico dos uberlandenses. A cada janeiro, durante as férias escolares, meu pai enchia o carro de mala e menino e pegava a rodovia Anhanguera rumo às praias do litoral de São Paulo. Eram dias bons, geralmente pouco menos de duas semanas, nos quais a gente se divertia bastante e voltava invariavelmente com muitas histórias e a pele descascando, dado o exagero de sol e a escassez de protetor solar.

No começo desde ano, fiz uma viagem dessas com minha esposa, filha e a família do meu irmão. De início, uma promessa que sei que não vou cumprir, mas que jurei tentar respeitar: não descer mais para o litoral de São Paulo em janeiro. Foram cinco horas para percorrer um trecho de 60 quilômetros na Serra do Mar, tempo que ultrapassou qualquer limite de tolerância que eu possa ter com trânsito. Por sorte, a visão do mar encanta qualquer mineiro e logo a imagem daquele congestionamento se desfez da minha cabeça, enfraquecendo bastante minha promessa.

Foram poucos dias de sol escaldante nas praias de Caraguatatuba, os quais apenas ratificaram a ideia que eu já tenho das praias brasileiras: elas são, definitivamente, os espaços mais democráticos que temos. Há praias elitistas? Sim, especialmente as mais isoladas. Mas, a maioria das praias urbanas é uma mescla de todo tipo de gente dividindo a areia de forma tranquila e pacífica. Tem branquelo, negão, ruivo, gente com dinheiro e gente sem dinheiro, gente bonita e gente feia, enfim, tem de tudo. Você percebe esse fato principalmente nas praias cariocas, incluindo as badaladas Leblon e Ipanema, em que gente famosa se mistura com anônimos e o cara da cobertura de 250 m² está na barraca ao lado do cara da favela. O mesmo acontece em Florianópolis, Salvador, Maresias, Ubatuba, Guarujá, enfim, é uma marca brasileira.

Certa vez, comentei sobre praias com o marido de uma prima que é italiano. Ele me falou que gostava do nosso jeito e que, por lá, havia praias em que era preciso pagar para se poder utilizar. Nós não temos isso, graças a Deus. Nossa faixa litorânea é um bem público e, ao menos em tese (e, também na maioria dos casos, na prática), qualquer pessoa pode curtir a areia e as ondas sem pagar um centavo sequer.

Gosto disso. Queria, claro, que as coisas fossem um pouco mais organizadas, mas creio que isso tem mais a ver com a falta de educação geral do brasileiro do que com a democracia e a diversidade em nossas praias. Acho um absurdo, por exemplo, o sujeito levar uma caixa de som portátil para a praia e ligar a música que ele quer ouvir em volume máximo, por horas, bem do seu lado. Essas caixinhas de som viraram uma praga no litoral, inclusive sendo vendidas o tempo todo por ambulantes. É um horror. A parte da falta de higiene, com lixo jogado na areia aos montes, também me incomoda. Praia é um lugar em que a gente fica bem exposto, apenas com roupa de banho e em contato com a areia e a água do mar por várias horas, o que pede ainda mais cuidado com a higiene. Pena que pouca gente se preocupe com isso.

Essa parte da falta de limpeza, porém, não é exclusividade nossa. Há alguns anos, fui a uma praia na Flórida, nos EUA, em um final de tarde. Fiquei absolutamente espantado com a quantidade de lixo espalhado na areia, bem mais do que na maioria das nossas praias. Parece que a falta de educação nesse tipo de espaço não é uma característica de boa parte da humanidade.

Mesmo com esses problemas, acho praia um local bacana, ainda que não seja meu destino preferido de férias. E acho bacana no Brasil, principalmente, por isso que falei da democracia e da diversidade. A gente não consuma reparar, mas a desigualdade social (que prejudica principalmente as pessoas negras) faz com que vivamos em verdadeiras bolhas, nas quais, apesar de aparentemente se ter um acesso livre, apenas uma pequena parcela da população é frequentadora. Olha-se ao redor e não há muita diferente em relação a uma cidade europeia, como se nosso país fosse um reino de brancos de classe média.

A praia não é assim, a não ser em pouquíssimos casos. Claro, quem tem mais condições financeiras costuma ter mais tempo para fazer da praia um local de lazer. Mas, há muita gente que encontra ali, nos poucos momentos de folga que tem, um local para se divertir de forma livre e sem as amarras da desigualdade social. Gosto disso, verdadeiramente.
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