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11/01/2019 às 08h14min - Atualizada em 11/01/2019 às 08h14min

A falência do modelo de negócios das livrarias

EDUARDO VILLELA | BOOK ADVISOR
Publicada em 1981, "Crônica de uma Morte Anunciada", uma das obras primas do colombiano Gabriel García Márquez, ironicamente poderia se tornar a manchete que retrata a crise atual dos mercados editorial e livreiro no Brasil. Para muitas pessoas, a notícia da situação financeira das livrarias Saraiva e Cultura foi recebida com surpresa, mas para quem é do setor, o cenário já era há tempos anunciado.

Com quase 15 anos de atuação como editor e Book Advisor, pude acompanhar de perto o comportamento do mercado de livros no país e, dessa forma, perceber que a raiz do problema está no modelo ultrapassado de relação comercial entre editoras e livrarias.

De forma diferente de outros segmentos da economia, a negociação comercial entre livrarias e editoras é regida pela consignação. Explico de uma maneira simples: a consignação acontece quando as editoras enviam quantidades de exemplares impressos de seus livros para as livrarias e as livrarias não pagam nada por esses livros. Ou seja, elas não compram os livros, que continuam pertencendo às editoras. Elas simplesmente abrem espaços em suas prateleiras e demais móveis expositores e colocam ali as obras que receberam das editoras à venda.

A princípio, esse modelo pode parecer vantajoso, mas não é. Como as livrarias não compram os livros e os exemplares das obras que colocam à venda em suas lojas pertencem às editoras, o seu nível de comprometimento em comercializá-los deixa muito a desejar. Isso é ruim, já que não basta apenas disponibilizar os livros nas estantes, é preciso realizar esforços e ações consistentes em loja que incentivem o leitor a adquiri-los. Só se empenha 100% na venda de um produto aquele varejista que efetivamente compra de seu fornecedor.

Nesse modelo comercial, todo início de mês, as livrarias devem prestar contas às editoras reportando o número de exemplares vendidos de cada um de seus livros durante o mês anterior. A partir daí, as livrarias ficam com uma margem média de 35% a 60% do preço de capa do livro e acertam o valor restante com as editoras em um prazo que pode variar entre 30 a 120 dias.

Outro ponto importante dessa crise está na ineficiência de controle e reposição de estoques das livrarias. Consequência direta do modelo de consignação, o processo para o reabastecimento de livros é moroso, o que faz com que o leitor muitas vezes não encontre a obra que procura ao visitar uma livraria. É o famoso: "Está em falta, senhor". A consequência disso, além da frustração do consumidor, é a queda nas vendas.

Tal problema estaria solucionado se houvesse a adoção por parte das livrarias de um sistema integrado de estoques com as editoras, assim como acontece em outros setores, como o supermercadista. Essa é uma demanda antiga que as editoras solicitam às livrarias. No caso dos supermercados, o fabricante de detergente, por exemplo, ao acessar o seu sistema que é diretamente conectado ao sistema da empresa de supermercados, consegue acompanhar quantas unidades do produto foram vendidas diariamente ou semanalmente, bem como visualiza o estoque que ainda resta nas lojas. Assim, rapidamente, o sistema do supermercadista informa se é necessária a reposição de estoque e já gera de forma automatizada o pedido de uma nova quantidade de frascos de detergente, não sendo necessário o fornecedor ficar perguntando ao varejista como estão os estoques, quando a reposição ocorrerá e em qual quantidade.

É notório que nos últimos anos as livrarias têm dado mais espaço e destaque em loja para best-sellers, obras de autores famosos e de temas que estão na moda. A meu ver isso é um problema, pois a concorrência via preço nesses segmentos é bastante acirrada com os sites que vendem livros e entre as próprias redes de livrarias, o que resulta em um achatamento em suas margens.

Além disso, a diminuição gradativa do sortimento de livros nos últimos anos causa perdas importantes de vendas para as livrarias. É frustrante para um leitor entrar em uma livraria com uma lista de livros que procura e não encontrá-los como habitualmente acontece. Novamente, o cliente é incentivado a fazer suas compras online.

Mudar esses pontos citados acima é, sem dúvida, um desafio que não se resolve da noite para o dia. É preciso que haja, sobretudo, uma mudança estratégica na gestão de grande parte das livrarias, deixando para trás um modelo falido de negócios que em nada contribui para o desenvolvimento do mercado livreiro no Brasil.
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