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21/12/2018 às 08h49min - Atualizada em 21/12/2018 às 08h49min

Um novo idioma

MARIANA SEGALA
A falta de pessoal qualificado para trabalhar com tecnologia é um drama antigo. Estima-se que cerca de 195 mil novas vagas serão criadas pelo setor no país nos próximos quatro anos, mas quem irá preenchê-las? Tech é pop há pouco tempo, e a resistência dos estudantes às disciplinas da área de exatas permanece grande. Em Uberlândia, uma iniciativa colocada em marcha neste ano tenta reduzir essa barreira aos poucos. Ganhou o nome de Uberhub Code Club, um programa gratuito de atividades extracurriculares que procura apresentar o universo do raciocínio lógico e da programação a jovens de 14 a 18 anos. Nesta semana, os resultados do primeiro ano de funcionamento foram apresentados – e surpreenderam.

De março para cá, 768 alunos passaram pelo Uberhub Code Club. Eles participaram de 90 horas de treinamentos presenciais, ministrados aos sábados, e receberam outras 270 horas de tutoria online. O conteúdo das aulas é baseado no de uma popular disciplina de introdução às ciências da computação oferecida na universidade americana Harvard, disponibilizada há alguns anos gratuitamente também em plataformas como o YouTube (#ficaadica). Não se trata de um curso de programação, como bem lembram os organizadores do Uberhub Code Club. A proposta é que sirva como uma iniciação, um primeiro contato que talvez desperte o interesse pelo assunto em alguns dos participantes – que talvez nunca nem cogitassem aprender a programar ou seguir carreira na área se não fosse esse empurrãozinho.

Colocar o projeto de pé demandou parceria entre poder público e inciativa privada, fora o tradicional entusiasmo que a turma da tecnologia costuma demonstrar quando a causa é nobre. A organização está na conta da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Turismo. As duas dezenas de instrutores são parte voluntários, parte bancados por patrocínios de 17 empresas e entidades do setor. Algar, Sankhya, Landix, Social Bank, Zup e Neppo foram algumas das responsáveis pelo orçamento de R$ 98 mil do Uberhub Code Club no seu primeiro ano de vida. O espaço para as aulas presenciais foi encontrado nos equipamentos da cidade, como os laboratórios de informática da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e do Senac.

Os alunos não pagam nada para participar. Quase 90% são estudantes de escolas públicas da cidade. A maioria (56%) integram famílias com renda de até três salários mínimos. Pouco mais de 60% têm de 15 a 17 anos – e um quarto são meninas, público tradicionalmente excluído do contexto da tecnologia. Nesse grupo de jovens eufóricos algumas estrelas começam a brilhar. Três participantes foram medalhistas na Olimpíada Brasileira de Informática deste ano, competição de programação realizada pela Sociedade Brasileira de Computação e voltada a estudantes do Ensino Fundamental e Médio. Outro dos alunos integrou a equipe vencedora do Startup Weekend – evento global de empreendedorismo tecnológico – realizado em Uberlândia em agosto. Nas contas dos organizadores, pelo menos nove já foram contratados por empresas da região – alguns deles, de tão jovens, como menores aprendizes.

Um mundo de possibilidades se abre para quem, como os jovens do Uberhub Code Club, se dispõe a conhecer sobre programação logo cedo. Por estranho que soe aos ouvidos mais céticos, é provável que, logo logo, aprender esse tipo de linguagem seja considerado tão relevante quanto era aprender inglês entre os anos 1990 e 2000.

Não é à toa que escolas de programação começam a se popularizar, como aconteceu com as escolas de idiomas nas últimas décadas. Em Uberlândia, uma unidade da escola de ciências da computação Supergeeks, de São Paulo, existe desde o ano passado. No último fim de semana, foi palco de um evento curioso, organizado em parceria com a aceleradora Beez: mais de 50 crianças e adolescentes, entre 12 e 17 anos, protagonizaram uma “hackathon” para menores, maratona de programação em que os participantes são convidados a desenvolver soluções para um desafio real. O da molecada era criar um jogo que ajudasse outras crianças e adolescentes a aprender conceitos de matemática. Divididos em grupos, eles tiveram oito horas para trabalhar – e todos entregaram um produto acabado no fim da jornada. O melhor deles ganhou prêmio em dinheiro, como é comum nas hackathons tradicionais.

Iniciativas como essas visam a preparar as bases para o mercado da tecnologia no longo prazo. Só o Uberhub Code Club, que deve ampliar a faixa etária dos participantes para 13 a 21 anos, planeja receber 21 mil jovens no programa até 2027. A meta é ousada, mas o interesse é de todos. As chances de que saia do papel, portanto, são reais.
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