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10/12/2018 às 08h36min - Atualizada em 10/12/2018 às 08h36min

O comunismo como ele é

ALEXANDRE HENRY | JUIZ FEDERAL E ESCRITOR
Masaji Ishikawa nasceu no Japão, filho de pai coreano e mãe japonesa. O pai, levado para trabalhos forçados no Japão, era um homem cheio de mágoas e vivia batendo na mãe de Ishikawa, talvez como forma de colocar para fora sua frustração por ser considerado um pária em terra estrangeira. Ishikawa teve uma infância conturbada e viu sua mãe ser quase assassinada pelo pai, cuja infelicidade era algo evidente.

Naquela década de 1950, após o final da Guerra das Coreias, o líder norte-coreano Kim Il-sung estava desesperado por mão-de-obra e lançou campanhas para repatriar coreanos, prometendo liberdade e o paraíso na terra. O pai de Ishikawa viu ali uma possibilidade de fugir da vida opressiva que levava no Japão e se mudou para a Coreia do Norte com a esposa e os três filhos.

A história de Ishikawa é contada no livro “A River in Darkness: One Man's Escape from North Korea” (Um rio na escuridão: a fuga de um homem da Coreia do Norte). Estou ouvindo a história de Ishikawa em um áudio-livro há alguns dias. Falta pouco para eu terminar e confesso que, em alguns momentos, quase abandonei aquela narrativa, de tão recheada de tragédias. Como imigrante de origem japonesa, o personagem principal dessa história real foi colocado no mais baixo patamar social norte-coreano, vítima de todo tipo de preconceito. Isso na Coréia do Norte, um dos países mais fechados do mundo e cujo povo sofreu com inúmeras temporadas de fome nas últimas décadas, ou seja, ele ficou na mais inferior das posições de uma das sociedades mais inferiorizadas do mundo. Você pode imaginar o que isso significa.

O que tem me impressionado na narrativa dele é o sistema norte-coreano de controle da vida de seus cidadãos. Sim, eu sei que todo mundo já sabe que lá é um horror, mas ouvir o relato de alguém que viveu lá por décadas é diferente. Os detalhes do cotidiano de um cidadão vivendo no interior do país mais fechado do mundo são assustadores, para além do que você pode imaginar.

O livro tem me levado a pensar sobre o comunismo. Eu ainda acredito que o capitalismo é o menos pior dos sistemas econômico-políticos. Não sou um fanático do liberalismo econômico, não acredito que o caminho ideal esteja no extremo oposto do comunismo, até porque o capital sem qualquer controle governamental também tende levar ao desastre social. Enfim, como você já deve ter lido diversas manifestações minhas, sou uma pessoa que acredita que a virtude está no meio termo e no bom senso. Por isso, não tome minhas palavras a seguir, sobre o comunismo, como uma ode ao capitalismo selvagem.

Feita essa ressalva, destaco que o livro de Ishikawa só me dá mais certeza de que o comunismo é uma aberração. Primeiro, porque não vejo como possível a criação de uma sociedade comunista sem retirar a liberdade de cada indivíduo, pois as pessoas são diferentes, inclusive em suas potencialidades físicas, intelectuais, volitivas e de produção econômica. Para igualá-las, você tem que sufocar as diferenças, o que não é feito em um ambiente de liberdade. Segundo, porque é na liberdade de cada um exercitar suas potencialidades que a humanidade evolui, inclusive e especialmente no tocante à satisfação de suas necessidades básicas de alimentação, segurança, saúde etc. Terceiro, porque o comunismo pressupõe a existência de um governo, ao menos na prática (o papel aceita tudo). Só que governos são instituições humanas, humanos são falhos e tendem a pensar primeiro no próprio bem-estar. Traduzindo, a desigualdade econômica acaba existindo na mais comunista das sociedades, pois sempre haverá uma casta dirigente privilegiada.

Há outros motivos pelos quais eu acredito que o comunismo seja um sistema deplorável, mas fico só com esses três. A história de Ishikawa mostra claramente as deficiências de um sistema que tenta igualar a todos, mas que, na verdade, só consegue produzir miséria e desigualdade.

Nem por isso acho que Karl Marx deva ser execrado por suas ideias, até porque ele provavelmente não veria como espelhos de seu pensamento sociedades como a soviética do século passado ou a norte-coreana dos dias de hoje. Marx tem grande importância como pensador por expor muitas das falhas e contradições do capitalismo, devendo, sim, ser estudado nas universidades. Mas, do fundo do coração, torço para que a humanidade deixe de tentar implantar novas experiências comunistas com base nas ideias de Marx, pois histórias como a de Ishikawa e de tantos outros já foram suficientes para mostrar o fracasso de tais experiências.
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