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06/11/2018 às 08h32min - Atualizada em 06/11/2018 às 08h32min

Dona Olívia

(Trecho de entrevista de 13/12/1989)

ANTÔNIO PEREIRA | HISTORIADOR
Conversei muito com dona Olívia Calábria, um ícone do comunismo feminino da velha Moscou Brasileira, em dezembro de 1989. Eis um trecho do nosso papo:

“Nós íamos às casas dos camponeses. Chegávamos, íamos pra cozinha e encontrávamos aqueles panelões de arroz, feijão, carne, tudo quentinho. A polícia, às vezes, já tinha passado por ali e até comido dessa comida. Numa casa que tinha documentos, material de propaganda, os camponeses achavam que aquele material não podia ficar assim exposto. Tinham que esconder. Então, eles jogavam esse material dentro da cisterna, ou punham dentro do saco de arroz. Foi uma luta. A gente precisava de coragem.

Havia outros núcleos de conscientização do povo na região, em Uberaba e em outras cidades, mas aqui era maior. Aqui é que tinha o apelido de Moscou Brasileira. Então, vinha, por exemplo, o Marco Antônio, o Chicão, vinha uma porção de gente de fora que ia para o campo com a gente. Para fazer as palestras, para explicar o que era reforma agrária, sobre as vantagens do socialismo para o campo. Isso aí por 1950, no período de ilegalidade do Partido, a partir de 1948. Eu nunca tive dificuldade em fazer esse trabalho, não. Nunca fui provocadora. Gostava mais de orientar, conhecer as reivindicações.

Aqui em Uberlândia tinham organizado um movimento de mulheres fazendo reivindicações para as famílias dos bairros e eu entrei. Trabalhei demais andando a pé pelos bairros. Aí, levamos as mulheres à prefeitura para elas pedirem um armazém de emergência, uma coisa tão corriqueira. O prefeito era o José Fonseca. Eles mandaram a polícia contra nós, mas quando correu a notícia que a polícia vinha, os maridos vieram com enxadas, machados e paus para defende-las.

A luta foi grande, mas conseguimos levar duzentas mulheres à prefeitura. Algumas pessoas interessadas no movimento, diziam: ‘Olívia, vocês levam gente pobre demais, deviam levar gente como nós’. Eu respondia que os pobres é que tinham reivindicação, eles é que sabiam o que precisavam.

Nós queríamos armazém de emergência, telefone público, centro de saúde... Numa reunião da União Feminina, a polícia invadiu e prendeu uma porção de mulheres, só que não eram comunistas. Eles confundiam a União com o Partido. A União não era comunista, mas reivindicava também em favor das famílias pobres. Eles nos prendiam e nos levavam para Uberaba e lá nos soltavam.

O trabalho por aqui com os camponeses, lá por 1955, quando surgiram as Ligas de Camponeses do Nordeste, era mais ou menos a mesma coisa. Só que os dirigentes determinavam congressos de trabalhadores do campo, na cidade, para apresentação de reivindicações, mas não davam tempo nem mesmo para uma preparação psicológica. Íamos ao campo buscar os camponeses, as organizações da cidade nos chamavam e diziam que o tempo era muito curto. Os sindicatos locais, a Associação dos Chauffeurs, ajudaram muito. Havia dono de cerealista que era comunista. No campo, o trabalho era muito difícil por causa das várias divisões de trabalho, com variadas reivindicações. O partido queria congressos com a participação de massa, de povo, de trabalhadores e acabava que as reuniões acabavam só tendo comunistas por causa do tempo insuficiente. Era um impasse. A gente queria conquistar novos adeptos.”
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