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22/10/2018 às 07h48min - Atualizada em 22/10/2018 às 07h48min

Tecnologia para queimar gordura

ALEXANDRE HENRY
Se existe um consenso no Brasil é o de que o dinheiro público é gasto de forma inadequada. Não falo nem de corrupção, essa peste que nos assola desde que o primeiro português subornou um indígena. A minha referência é em relação ao desperdício de dinheiro por conta da ineficiência administrativa.

Falo do que conheço, por segurança. Na Justiça Federal em Ituiutaba, onde atuo, temos mais de 5 mil processos, mas somente parte deles é digital. Sim, temos processos em papel no ano de 2018! Melhor que boa parte deles já vai tramitar eletronicamente a partir do próximo mês, mas ainda teremos muito tempo até ver as folhas de papel desaparecerem de nossas estantes. Exposta a realidade, façamos algumas considerações. Cada processo de papel consome material e equipamento para impressão. Pior: preciso juntar as folhas no processo a cada ato, o que demanda um trabalho gigantesco e totalmente burocrático. Alguém tem que ir lá, perfurar as folhas, abrir o processo, inserir as folhas, depois é preciso fazer uma certificação do que foi juntado. Esse “pequeno” trabalho, além de outros decorrentes do fato do processo ainda não ser eletrônico, ocupa cerca de 25% da nossa força de trabalho. Não para por aí. Como os advogados públicos têm direito a intimação via remessa dos autos, precisamos executar toda uma rotina de preparar os processos físicos para envio para Uberlândia, perdendo tempo e com gastos públicos para pagamento dos Correios. Claro, sem contar a demora no andamento das ações por conta dessa rotina. A solução simples seria termos um processo eletrônico, como dito, algo que só agora vai sendo implantado, mas que poderia ser realidade há pelo menos uns quinze anos.

É fato: a tecnologia da informação ainda não produziu nem 10% do efeito que pode produzir no setor público. Se você acha que esse panorama que eu passei acima é uma aberração, há coisas muito piores. Hoje, um dos maiores déficits do setor público é a Previdência. Para além de discussões sobre a necessidade de elevar a idade de aposentadoria e coisas do gênero, o fato é que o INSS possui pouquíssimos recursos para fazer uma avaliação completa dos benefícios a serem concedidos e, principalmente, dos que já foram deferidos e precisam de algum controle. Quando chega para nós, na Justiça Federal, aí é que percebemos o tamanho do problema. Não são raros os casos em que a pessoa já entrou com um processo para obter uma aposentadoria, entra com outro e os procuradores que atuam junto ao INSS não conseguem detectar essa duplicidade de processos. Não é má vontade dos procuradores, não. Ao menos os que conheço, em Uberlândia, fazem um trabalho muito bom. O problema é que eles não possuem ferramentas eletrônicas básicas de averiguação dos casos que precisam defender. Um sistema que cruzasse informações diversas, incluindo, na medida do possível, dados públicos constantes na internet e nas redes sociais, permitiriam evitar a concessão de muito benefício previdenciário indevido, estancando essa sangria dos cofres públicos.

O que me angustia mais é que as informações existem, estão disponíveis e há tecnologia para construir bons sistemas de controle da Administração Pública. Mas, a evolução que se vê nessa área é muito lenta. Claro, não vou negar que há excelentes iniciativas que estão permitindo boa economia de dinheiro, mas para cada iniciativa levada a cabo há pelo menos umas cinco que não chegam a sair do papel ou nem mesmo constam em papel algum. Talvez, nesse ponto, parcerias com a iniciativa privada possam ajudar um pouco. Ouvi uma palestra há alguns dias que falava de Detroit, nos EUA, onde encontraram mais de 11 mil kits com provas colhidas de vítimas de estupro pendentes de análise, abandonadas em um galpão qualquer. Houve toda uma movimentação e, por meio de uma parceria com a UPS (gigante do setor de logística), em pouquíssimo tempo lançaram ferramentas e rotinas que revolucionaram esse problema. Como disse a palestrante, “a UPS tinha a tecnologia, eles sabiam como usá-la para resolver nosso problema e nós não sabíamos”.

Quando pensamos no setor público, ficamos muito focados na questão da corrupção e, de fato, não podemos perder esse foco. Mas, é essencial lembrar que há muito o que ser feito na gestão administrativa mesmo, especialmente com base em recursos tecnológicos. Dá para economizar um dinheirão só com melhoria de rotinas e procedimentos, além da informatização. Basta querer – um querer que não deve ser só dos políticos, mas também da sociedade civil.
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