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17/10/2018 às 08h56min - Atualizada em 17/10/2018 às 08h56min

O mestre de cada dia

ANA COELHO MACHADO | BIÓLOGA E PROFESSORA
Vários textos que li enfocam o que é ser professor, mestre, educador. Mas o que mais gostei, sobre esse assunto, foi um capítulo do livro "O Confessor", de Taylor Caldwell.

Na introdução do livro, que possui vários capítulos com diferentes histórias, a autora explica que as necessidades básicas do homem são poucas. Ele pode sobreviver com pequena quantidade de pão e sob o mais humilde dos abrigos. A sua verdadeira necessidade é de alguém para ouvi-lo como uma alma humana; de alguém capaz de escutar tudo o que pensa e as coisas espantosas que encontra ao tentar descobrir o porquê nasceu, como deve viver e onde está o seu destino.

No primeiro capítulo, a autora narra que um velho advogado de 80 anos utilizou todas as suas economias para construir uma espécie de templo. Esse possuía uma sala bem ampla, iluminada por uma tênue luz azul onde havia apenas uma cadeira alta, na qual as pessoas se sentavam defronte uma cortina grossa de veludo azul, que fechava uma parte arredondada da sala, uma alcova. Elas tinham todo o tempo para falar com alguém que as escutava atrás da cortina. Havia uma placa com os dizeres: "Se deseja ver o homem que acaba de ouvi-lo, aperte o botão ao lado. Verá então o rosto dele. Ele ficará contente se você lhe agradecer, mas isso não é necessário". Acima, outra placa com letras grandes: "O Confessor". A cortina se abria apenas para as pessoas sinceras, que demonstravam emoção na voz.

Um outro capítulo trata da visita ao templo de um homem jovem, mas aparentando ser mais velho, de expressão melancólica, que começa a falar de sua vida como professor. Queixa-se de seu dever sagrado de sempre ensinar, quando os alunos não querem aprender; dos pais que cobram tanto dos professores, mas que não educam seus filhos; do baixo salário; da falta de reconhecimento da profissão; da indisciplina, da violência, da irresponsabilidade e da falta de respeito dos alunos.

Sente que é maravilhoso estar em um lugar tão tranquilo e silencioso, onde não há falas estridentes, pés correndo, vozes e campainhas. Conta que não tem mais orgulho de sua profissão e que sente um cansaço enorme que vai até os ossos. O professor sorri suavemente, com uma tristeza imensa. Conta também que naquele ano queria se casar com a Márcia, sua namorada e também professora, mas que o salário e o excesso de trabalho dos dois não permitiu. Pergunta ao Confessor se ele também já foi professor. A luz azul fica mais aconchegante, como em assentimento. Continua a falar e decide que não quer mais ensinar, pois ninguém quer aprender. Fica cada vez mais angustiado e então aperta o botão. A cortina de veludo azul se abre.

O professor chora um pouco, assoa o nariz, volta a chorar. Dentro da alcova, pregado em uma cruz imensa, talhado em marfim, estava o filho de Deus. A imagem não era a do Cristo morto, mas a do Cristo vivo. Os olhos eram ardentes, apaixonados, olhos que tudo viam e tudo compreendiam. A coroa de espinhos cingia a testa.

O homem fitou o Confessor e entendeu que Ele sempre foi um mestre, que nunca parou de ensinar e de tentar ensinar. Que Ele ensinou a multidões ávidas, inquietas e insaciáveis. E mesmo quando elas se afastavam, continuava a ensinar, contra tudo e contra todos. Para Ele, bastava apenas um no meio da multidão: um olhar brilhante, um rosto alerta, uma mão a escrever subitamente tudo o que ele dizia.

Compreendeu então que ser mestre é não desistir nunca e que ensinar é um ato de amor. Saiu do templo com uma expressão de paz, caminhando firme.
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