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14/09/2018 às 10h36min - Atualizada em 14/09/2018 às 10h36min

Um exemplo de vitalidade

ALEXANDRE HENRY
Há três meses, publiquei aqui um texto sobre uma viagem de bicicleta que eu havia feito entre a Alemanha e Viena, na Áustria. Aliás, o texto não era sobre a viagem de bicicleta em si, mas sobre a quantidade de pessoas da terceira idade que eu havia encontrado pedalando, em contraste com um comportamento muito comum entre vários idosos brasileiros que conheço, os quais parecem ter desistido da vida antes do último suspiro chegar.

No dia em que o texto foi publicado, eu recebi uma ligação logo de manhã de um leitor que, hoje, posso chamar também de amigo. Nós já havíamos nos encontrado em algumas oportunidades e sua ligação naquela manhã era para falar sobre meu trajeto de bicicleta. “Alexandre, eu sempre tive muita vontade de fazer um passeio assim” – ele me disse. Conversamos então um pouco sobre o pedal e recebi o convite para refazer o trajeto com ele. Na oportunidade, eu ainda não tinha previsão de férias e agradeci o convite, mas me dispus a ajudá-lo com informações sobre a viagem.

No final de julho, nós nos falamos novamente, ele me disse que os familiares não poderiam ir com ele e me refez o convite. Aceitei. Quando setembro chegou, partimos em quatro pessoas para o pedal. Detalhe das idades: eu e um amigo temos 42 anos, o terceiro companheiro (um grande abraço, “Rabugento”!) tem 62 e o quarto tem 83 anos! Aos 62 anos, a maioria dos brasileiros passa longe de uma bicicleta. Quando muito, faz caminhadas, pilates e musculação leve. E aos 83 anos?

Eu confesso, e meu amigo há de perdoar meu ceticismo, que fiquei um pouco desconfiado acerca de sua capacidade de viajar por sete dias, em dois países, sobre uma bicicleta, ainda mais sabendo que ele já tinha feito várias cirurgias ortopédicas. Do entusiasmo e da empolgação, eu não tinha dúvidas. Mas, pense bem: quem você conhece em Uberlândia que pedala com essa idade? E quem estaria disposto a enfrentar mais de 300 km de esforço físico?

O primeiro dia seria o crucial para saber como se daria a viagem. Como não tínhamos hotel reservado, combinamos pedalar cerca de 20 km, embora o ideal fosse chegar a um ponto do rio Danúbio distante 45 km da nossa largada. Dois estavam em bicicletas tradicionais e dois em bicicletas com pedal assistido, que contam com a ajuda de um pequeno dispositivo elétrico. Mas, não pense que é como uma moto em que você fica parado e só acelera. Não! Bicicletas com pedal assistido exigem que você pedale, pois o que há é realmente apenas uma assistência, não um motor autônomo. Por isso mesmo, a minha preocupação em relação à capacidade do meu amigo enfrentar o percurso todo.

Vencemos os 20 km programados e depois vencemos os outros 25 km que formariam nosso trajeto ideal para o primeiro dia. Em um trecho, ele foi na minha bicicleta mesmo, que era das tradicionais, sendo que, no restante, quase não ligou o pedal assistido da bicicleta dele – para minha completa surpresa. Chegamos a um hotel e, depois de tomar banho, sentei na sacada do quarto para apreciar a bela paisagem do rio Danúbio. O que eu vejo então? Ele saindo para pedalar um pouco mais! Sim, aos 83 aos, ele pedalou o dia todo e ainda quis pedalar um pouco mais depois de chegar ao hotel.

No segundo dia, o desafio foi maior. Enfrentamos um trecho de 60 km e, nos últimos 12 km, ele trocou de bicicleta com um dos companheiros e foi em uma tradicional mesmo, sem qualquer assistência, justo no trecho mais difícil. No sexto dia de viagem, ele pedalou 46 km em uma das bicicletas sem pedal assistido. Eu fiquei impressionado no último grau. Muita gente que conheço nem bem chega aos 60 anos de idade e só fala em doenças, dores, remédios e coisas do gênero. Ele não falava nada sobre isso, era um dos mais empolgados da turma, fazia questão de comprar um vinho para tomarmos em uma tradicional parada durante o pedal, não perdia um jantar (com mais vinho ou uma boa cerveja austríaca) e acordava no outro dia bem disposto. Foram quase 320 km nesse pique invejável.

Acho que eu ganhei ao menos mais uma década de vida ativa depois dessa viagem. Eu sempre tive comigo que envelhecer é algo mais mental/psicológico que físico. Claro, a parte física pesa muito, mas controlar a mente é o essencial. Eu me via pedalando até uns 65 anos e viajando até uns 72 anos. Depois de pedalar por sete dias com esse exemplo de vitalidade, depois de ver a disposição dele aos 83 anos de idade, senti uma energia gigantesca para seguir o mesmo caminho de animação, vitalidade e controle mental. Agora, sempre que me sentir cansado, vou me lembrar dele e de sua disposição.

Alexandre Henry Alves - Juiz Federal e Escritor
www.dedodeprosa.com
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