Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90
18/06/2018 às 09h22min - Atualizada em 18/06/2018 às 09h22min

​O terceiro terço da sua vida

ALEXANDRE HENRY ALVES | COLUNISTA
DIVULGAÇÃO
A cena vai ficar gravada na minha memória por muito tempo, eu tenho certeza, apesar de, aparentemente, não ter nada de especial: duas pessoas sentadas em um gramado à beira de um rio. Só que havia três elementos a dar um significado próprio ao momento. Primeiro, era um casal que estava abraçado apreciando a beleza do rio Danúbio, na Áustria, em uma cena romântica e de muito carinho. Segundo, não eram dois adolescentes apaixonados, desses que a gente vê por todos os cantos. Era um casal de idosos, na faixa dos 65 anos de idade. E, terceiro, eles estavam fazendo uma pausa em uma viagem de... bicicleta! Sim, eram ciclistas que estavam atravessando um país juntos.
Acho que eles vão viver muito tempo ainda, pois estavam fazendo muita coisa recomendável para prolongar a existência. Amor, companhia e atividade física! E, ao menos nesse último quesito, eles não estavam sozinhos. Eu passei cinco dias e quase 400 km pedalando da Alemanha até Viena, capital da Áustria, percurso no qual o que mais encontrei foi gente com 60, 70 e até mais de 80 anos de idade em cima de bicicletas, curtindo a paisagem e se exercitando. Muitos estavam fazendo viagens pedalando mesmo, como a minha. Nas cidades pelas quais passei, também vi muitos idosos totalmente ativos, valendo-se, quando era preciso, de bengalas, andadores, tubos de oxigênio e o que fosse preciso para não ficar preso dentro de casa. Detalhe: quase nenhum deles tinha um cuidador ao lado.
Não é a primeira vez que reparo isso ao viajar para o exterior. Nos EUA, você vai ao supermercado e a maioria dos funcionários dos caixas já está na terceira idade, isso sem contar na quantidade de idosos passeando e fazendo turismo. Mais perto de nós, a capital argentina, Buenos Aires, também mostra muitos velhinhos bem animados em praças e cafés, papeando e seguindo em frente enquanto há vida.
A comparação com o Brasil é inevitável na minha cabeça. O que vejo por aqui é quase todo mundo querendo se aposentar com cinquenta anos de idade, para depois ficar em casa esperando as doenças chegarem e, finalmente, a morte. O corpo ainda está lá, com o coração batendo e o sangue correndo pelas veias, mas a alma já partiu há muito tempo. Boa parte dos idosos no Brasil desiste da vida anos, às vezes décadas, antes de finalmente parar de respirar. Não fazem exercícios físicos, não mantêm uma vida ativa e saudável, não cultivam amizades e nem se encontram com frequência com amigos, ficam com cara de “já morri”, só falam em doenças e reclamam da aposentadoria, enfim, parece que a vida já acabou. É claro que existem exceções, mas boa parte dos brasileiros age assim, infelizmente.
Você pode até dizer que os americanos e europeus são ativos por conta da boa qualidade de vida, mas isso não justifica nada. Se fosse desse jeito, somente rico poderia ser feliz, quando se sabe que a maioria dos brasileiros que ainda não são idosos vive uma vida difícil, mas feliz. O brasileiro é conhecido como sendo um povo alegre e isso não é apenas uma lenda, um estereótipo. Realmente, a gente samba nas dificuldades, sorri quando muita gente choraria, tem pesadelo de noite e acorda sorrindo de manhã. Por que então, na hora de envelhecer, morremos antes da hora?
Não sei, sinceramente. Talvez seja algo cultural, talvez ainda sejamos um país de gente muito nova para dar valor à velhice. O que eu sei mesmo é que não quero envelhecer assim, de jeito nenhum. Já escrevi sobre o assunto mais de uma vez e volto a ele, embalado pela cena do casal de ciclistas. O que eu quero para mim é chegar ao terço final da minha vida ativo, praticando esportes, viajando, encontrando parentes e amigos, rindo junto com gente querida ao redor de uma garrafa de vinho nobre ou vagabundo. Vai depender da minha saúde? Só da mental, eu espero. Cada vez mais, há recursos para se manter ativo. Quando for preciso usar uma bengala, eu usarei. Se um andador me for necessário, eu também o usarei. E se me sobrar só a cadeira de rodas, vou juntar uns trocados e comprar uma elétrica para eu poder ir de um lugar para o outro sozinho, quando eu quiser.
Repito pela enésima vez: você não tem como evitar o envelhecimento do corpo, ainda que possa retardar um pouco os efeitos da idade. Mas, tem como evitar o envelhecimento da alma, com toda certeza! Dá para ter 100 anos de idade e a cabeça de um jovem que ainda deseja conhecer o mundo todo em cima de uma bicicleta. O que vai ser da sua cabeça quando a idade chegar depende só de você. Faça a sua escolha. Eu já fiz a minha.
Leia Também »
Comentários »
Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90