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06/11/2017 às 05h34min - Atualizada em 06/11/2017 às 05h34min

A epidemia de opioides e a descriminalização das drogas

ALEXANDRE HENRY ALVES* | COLUNISTA

Há um bom tempo, eu venho refletindo sobre as políticas de combate às drogas. Não é novidade que elas não têm funcionado maioria dos países do mundo. Por isso mesmo, comecei a pensar sobre o custo/benefício de se descriminalizar o consumo de alguns entorpecentes, como a maconha. Será que não teríamos um resultado mais positivo para a sociedade?

Tem gente que vai mais além: que cada um cuide de si e decida o que quer consumir ou não, ou seja, tudo deveria ser liberado. Não seria mais seguro que a produção e a distribuição de drogas como a cocaína, a heroína e o crack fossem feitas de forma controlada, longe da criminalidade? Sim, eu sei que esses produtos são malignos para a saúde, mas eles existem e continuarão a existir, não importa a repressão que se faça. Sendo assim, permitir que empresas oficiais produzam entorpecentes com controle de qualidade e que a distribuição deles seja feita em estabelecimentos seguros não traria mais benefícios do que o sistema atual?

Há poucos dias, essa ideia de liberalização total, sobre a qual eu vinha refletindo, ganhou um argumento contrário absolutamente forte: a epidemia de opioides nos Estados Unidos. Já ouviu falar nela? Começou há poucos anos e já matou três vezes mais americanos do que a Guerra do Vietnã. Por dia, quase cem pessoas estão morrendo por lá em decorrência de overdoses de medicamentos para a dor derivados do ópio. Sim, essa é uma realidade que passou a preocupar todos os escalões do governo americano. A quantidade de pessoas que começa a tomar medicamentos para uma dor qualquer, passa para os derivados do ópio (um bom exemplo desse tipo de remédio é a morfina) e, depois, não consegue se livrar mais do consumo deles, cresce a cada dia. Como típicos usuários de cocaína, heroína ou crack, muitos deles veem suas próprias vidas sendo arruinadas pelo vício e, na falta de receita médica para comprar esses analgésicos potentes, acabam adquirindo nas ruas, no submundo. Muitos perdem o emprego, as economias e a dignidade nessa busca desenfreada para suprir o vício.

Provavelmente, ainda vamos ver essa epidemia chegar ao Brasil. Os médicos aqui são bem mais cautelosos que os americanos em prescrever opioides, mas a gente conhece bem como funciona a indústria farmacêutica em geral. Aos poucos, vão fazendo congressos em resorts de luxo com médicos, pagando tudo, a fim de convencê-los dos benefícios e da falta de perigo dos opioides.

Falando da indústria farmacêutica, ouvi esta semana uma reportagem chamada “Too many pills” (Pílulas Demais), elaborada pelo Reveal, programa de jornalismo investigativo do “The Center for Investigative Reporting”. Assustador, para dizer o mínimo. A reportagem mostra como um dos chefes do combate à epidemia de opioides dentro do DEA, o famoso órgão de combate às drogas dos EUA, enfrentou uma oposição feroz da indústria farmacêutica americana, tão forte que conseguiu a aprovação de uma lei para praticamente enterrar as investigações do DEA e ainda fez com que esse chefe do órgão tivesse que se aposentar.

O comércio de analgésicos derivados do ópio, nos EUA, é uma indústria bilionária. Apesar das milhares de mortes anuais por conta desse vício, os fabricantes não parecem nada preocupados com qualquer coisa que não seja a manutenção do lucro. O argumento dos fabricantes e distribuidores é que a culpa não é da indústria, mas dos médicos que prescrevem os analgésicos (os mesmos que são objetos de doutrinação em congressos de luxo). Um argumento cínico, para dizer o mínimo.

Foi justamente esse comportamento da indústria farmacêutica americana na epidemia de opioides que me fez refletir sobre os riscos da legalização geral das drogas. Ainda continuo achando que a maconha, que pode ser plantada por qualquer um na varanda de sua casa, deve ser objeto de estudos mais aprofundados sobre o custo da manutenção de sua proibição e os benefícios da liberação. Não que ela não faça mal, mas a questão é apenas o custo/benefício de se manter uma repressão contra ela. Já drogas sintéticas, como cocaína, heroína e crack, sinceramente, voltei a ter a certeza de que devem continuar proibidas. Descriminalizá-las fará com que os traficantes deem lugar a uma indústria absolutamente poderosa, capaz de influenciar muito mais os políticos do que a marginalidade atual. Enfim, pelo que tenho visto nos EUA, é muito mais fácil se lutar contra traficantes do que contra os barões da farmácia.

(*) Juiz Federal e Escritor - www.dedodeprosa.com

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